MELATONINA

23/01/2017

MELATONINA  - MITOS X VERDADES 

A glândula pineal é responsável pela produção de melatonina, hormônio que desempenha um papel fundamental na regulação do sono.

O médico e professor titular de fisiologia da USP, José Cipolla Neto, um dos pioneiros dos estudos de cronobiologia no Brasil, percebeu na década de 90 que a melatonina poderia ser um possível indicador circadiano de estudo para poder avaliar mecanismos neurais de controle de ritmo. Ele já se dedica a pesquisas e experimentos com a substância há 26 anos.

Nesta entrevista, o especialista fala sobre a proibição da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para comercialização desse hormônio no país, os principais mitos que giram em torno da melatonina e revela qual sua preocupação após a liberação da venda, entre outros pontos que você confere a seguir:

Boletim do Sono: A melatonina não tem registro na Anvisa e sua venda é proibida no Brasil. Qual é o momento atual desse debate? Acredita que em breve poderá ser liberada no país?

ProfºJosé Cipolla Neto: Certamente em breve será liberada e produzida no Brasil. As informações que nós temos é que a Anvisa já está estudando uma proposta de um laboratório farmacêutico no sentido de liberar a comercialização da melatonina. Para liberar o uso de qualquer droga no Brasil é necessário ter um trabalho que substancie a proposta de venda, principalmente para uma droga tipo a melatonina, que é um hormônio. Aparentemente, esse laboratório está propondo um pequeno estudo para o uso da melatonina em sono. Apesar de ser usada universalmente, para a Anvisa liberar a substância precisa ter esse estudo. Acredito que em cinco meses isso se resolve em termos de aprovação da pesquisa.

BS: Nos EUA, o comércio da melatonina é livre. Qual é a polêmica que envolve o uso da substância no Brasil?

ProfºJC: É uma proibição de comercialização, ninguém é contra o uso da melatonina no Brasil. A história é a seguinte: uns 20 anos atrás começou a ser veiculada uma propaganda na televisão em que as pessoas eram incentivadas a tomarem melatonina de qualquer jeito, a qualquer hora. Tinha gente que vendia melatonina, mas sem nenhum critério. Então, um grupo de pesquisadores, principalmente liderado pelo pessoal da Unifesp, foi à Anvisa e pediu para que o órgão proibisse aquele mal-uso que se fazia do hormônio e essa proibição persiste até hoje. A melatonina precisa ser vendida e administrada sob controle médico e acredito que é o que acontecerá no Brasil. Isso é muito mais interessante do que a condição que existe no mercado americano, em que a melatonina é vista como suplemento alimentar e é comercializada em qualquer lugar. Desse modo, o controle fica muito mais complicado, quase impossível, e na verdade, sendo a melatonina um hormônio, ela tem que ser cuidadosamente administrada, não se pode fazer uso dela como se faz com vitaminas, que, algumas também deveriam ser controladas.

BS: Quais são os principais desafios desse tipo de pesquisa no Brasil? De que forma esses estudos contribuem na prática?

ProfºJC: Em termos de pesquisa básica em melatonina no Brasil não há obstáculos, pois existem muitos grupos que fazem isso. O grande desafio que nós temos hoje e que eu faço tudo para enfrentar no dia a dia é como sair dessa pesquisa básica e transformá-la em uma aplicação clínica com fundamento. Esse é o grande passo que é preciso dar, o passo translacional. As pesquisas básicas nós já temos, a fundamentação básica também, mas, dependendo do setor da clínica médica, ainda não há muitos estudos clínicos bem conduzidos e fundamentados. Então, grande parte do meu trabalho hoje são pesquisas clínicas adequadamente formuladas para que possamos ver se a melatonina de fato é eficiente e eficaz para uma série de patologias para as quais ela é proposta. Os médicos precisam perceber que é o momento de entrar com a melatonina na prática clínica, MELATONINA MITOS X VERDADES só que de uma forma científica, com avaliação, pesquisa e conclusões.

BS: Quais são os principais mitos que giram em torno da melatonina?

ProfºJC: Quando sugerem que é a grande droga antienvelhecimento. Isso não é verdade, ela não é uma fonte da juventude. É muito difícil pensar em ter qualquer droga ou qualquer hormônio como algo contra o envelhecimento. A melatonina é uma droga, eu diria, pró-envelhecimento saudável. Esse hormônio não impede o envelhecimento, mas faz com que esse processo seja mais suportável pelo indivíduo em melhores condições gerais de saúde. Outro mito, mais sério, é que a melatonina pode ser usada para qualquer distúrbio de sono. Há distúrbios particulares de sono para aos quais ela é indicada, mas há outros que não.

BS: Em quais casos ela é indicada?

ProfºJC: A melatonina é indicada para o sono que não tem 24h de ritmo. Para o indivíduo que entra em livre curso com o sono dele, a melatonina é um poderoso sincronizador. Ela é importantíssima para reduzir a latência de sono e pode ser usada para insônia com retardo de fase, até certos limites. Mas, não é tão eficiente, por exemplo, para fragmentação do sono. Ela ajuda a consolidar o sono, mas ela não é tão relevante na estabilização do sono. Quando há distúrbios de sono com comorbidade em doenças neurológicas ou psiquiátricas, ela é interessante. Já na fase adiantada do sono, não é uma boa droga para ser usada. Há algumas patologias do sono em que ela é importante, em outras não. Há uma fama da melatonina que ela resolveria qualquer problema do sono e ela não resolve.

BS: A melatonina pode ser indicada para o tratamento de alguns tipos de câncer?

ProfºJC: Sem dúvida sim. Há indicações experimentais que ela poderia ser usada como coadjuvante no tratamento de alguns tipos de tumor. A melatonina é um hormônio que tem uma capacidade imunoestimulante e se demonstra uma ação antitumoral para alguns tipos de tumores. Há evidências experimentais que a melatonina pode ter uma ação oncostática, antimetastática e antiangiogênica, em certos casos, como câncer de mama (principalmente os dependentes de estrógeno), câncer de próstata e câncer bucal. Outros trabalhos experimentais apontam que se você associar melatonina a quimioterápicos (como, por exemplo, o Tamoxifen) o resultado final é muito mais eficaz que o tratamento isolado.

BS: Atualmente é comum checar o celular no momento de dormir. Esse hábito interfere na produção de melatonina? Quais são os efeitos colaterais?

ProfºJC: Muito, tanto o celular quanto qualquer equipamento eletrônico, pois eles têm, na tela, um led azul, que emite um comprimento de onda de 480 nanômetros e bloqueia seletivamente a produção de melatonina. Então, o uso de celular ou computador no período noturno ou, ainda, o uso da iluminação interior de lâmpadas fluorescentes ou de led branca, à noite, retarda a produção de melatonina e esse é um dos grandes problemas da sociedade contemporânea. A gente chega em casa e estende o dia com iluminação ambiente, o que posterga toda ritmicidade circadiana, inclusive o sono e a melatonina. Além de atrasar o início da produção, restringe o pico de produção de melatonina com todas as consequências que isso traz. O simples fato de prejudicar a síntese de melatonina interfere no metabolismo energético do indivíduo, podendo levá-lo a ter uma intolerância à glicose, resistência à insulina e aumento da obesidade. O indivíduo fica em um estado de imunossupressão relativa, mais suscetível a agressões por agentes patógenos externos como gripes, resfriados em geral, tumor eventual e agente tumorigênico qualquer. Há trabalhos que indicam que a redução de melatonina noturna pode levar a uma hipertensão diurna. Agora, algumas providências já estão sendo tomadas; há aplicativos (geralmente gratuitos) que acompanham o horário do smartphone ou computador e quando começa o horário da noite, o programa filtra a tela fazendo com que tenha menos azul, diminuindo os efeitos na produção de melatonina.

BS: Para finalizar, os médicos estão preparados para a legalização da venda de melatonina?

ProfºJC: Não. O que mais me preocupa sendo especialista nessa área e por tudo o que eu vejo e interajo com as pessoas é, de certa forma, o desconhecimento que existe, até no meio médico, sobre a importância da melatonina e como usá-la clinicamente. É preciso que os médicos, em particular, se reeduquem sobre a relevância da melatonina. Acredito que em relação a isso também exista um mito que precisa ser superado, até mesmo na Endocrinologia Clínica, que muitas vezes, desconsideram a glândula pineal e a melatonina. Existe, em certos meios, uma concepção que a pineal é uma glândula em involução e que, portanto, não tem importância para o organismo humano. É mais do que tempo de se introduzir nos estudos fisiológicos e fisiopatológicos a glândula pineal e a melatonina. Os estudos básicos, clínicos e epidemiológicos, relativos ao estudo da glândula pineal e da melatonina, em particular, está mais do que consolidado, dados os últimos 50 anos de estudos. Há hoje, inclusive, uma revista internacional, o Journal of Pineal Research, publicada pela John Wiley & Sons, cujo impacto é 9,314, sendo a terceira revista mais citada da área de Fisiologia e a quinta da área de Endocrinologia e Metabolismo. Sendo assim, não é mais aceitável a ignorância nessa área. Essa é a minha grande preocupação, a de fazer chegar ao médico já formado, informação atual da enorme importância fisiológica e fisiopatológica da melatonina como hormônio para que ele possa usá-la adequadamente, dentro do arsenal terapêutico e quando necessário para seus pacientes.

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